segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Os regimes políticos



Excerto da Obra Convite à Filosofia de Marilena Chaui:

Dois vocábulos gregos são empregados para compor as palavras que designam os regimes políticos: arche – o que está à frente, o que tem comando – e kratos – o poder ou autoridade suprema. As palavras compostas com arche (arquia) designam quantos estão no comando. As compostas com kratos (cracia) designam quem está no poder.
Assim, do ponto de vista da arche, os regimes políticos são: monarquia ou governo de um só (monas), oligarquia ou governo de alguns (oligos), poliarquia ou governo de muitos (polos) e anarquia ou governo de ninguém (ana).
Do ponto de vista do kratos, os regimes políticos são: autocracia (poder de uma pessoa reconhecida como rei), aristocracia (poder dos melhores), democracia (poder do povo).
Na Grécia e na Roma arcaicas predominaram as monarquias. No entanto, embora os antigos reis afirmassem ter origem divina e vontade absoluta, a sociedade estava organizada de tal forma que o governante precisava submeter as decisões a um Conselho de Anciãos e à assembleia dos guerreiros ou chefes militares. Isso fez com que, pouco a pouco, o regime se tornasse oligárquico, ficando nas mãos das famílias mais ricas e militarmente mais poderosas, cujos membros se consideravam os “melhores”, donde a formação da aristocracia.
O único regime verdadeiramente democrático foi o de Atenas. Nas demais cidades gregas e em Roma, o regime político era oligárquico-aristocrático, as famílias ricas sendo hereditárias no poder, mesmo quando admitiam a entrada de novos membros no governo, pois as novas famílias também se tornavam hereditárias.
Devemos a Platão e a Aristóteles duas ideias políticas, elaboradas a partir da experiência política antiga: a primeira delas é a distinção entre regimes políticos e não-políticos; a segunda, a da transformação de um regime político em outro.
Um regime só é político se for instituído por um corpo de leis publicamente reconhecidas e sob as quais todos vivem, governantes e súditos, governantes e cidadãos. Em suma, é político o regime no qual os governantes estão submetidos às leis. Quando a lei coincide com a vontade pessoal e arbitrária do governante, não há política, mas despotismo e tirania. Quando não há lei de espécie alguma, não há política, mas anarquia.

A presença ou ausência da lei conduz à ideia de regimes políticos legítimos e ilegítimos. Um regime é legítimo quando, além de legal, é justo (as leis são feitas segundo a justiça); um regime é ilegítimo quando a lei é injusta ou quando é contrário à lei, isto é, ilegal, ou, enfim, quando não possui lei alguma.

CHAUI. Marilena, Convite à Filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000, p.495/496.

domingo, 23 de outubro de 2016

Aula de Estética ( 3ªs séries do Ensino Médio)

Aula 1 de Estética.

Conceito e história do termo: Embora a arte faça parte do mundo humano desde a Pré-história e tenha ocupado lugar de grande importância em todas as civilizações, a palavra estética só foi introduzida no vocabulário filosófico em 1750 pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten.
Etimologia:
Estética. Do grego aisthesis, significa “faculdade de sentir”, “compreensão pelos sentidos”, “percepção totalizante” ( perceber o todo).
Segundo Baumgarten a estética é a experiência sensível, e a partir do estudo da estética podemos desenvolver uma “ciência do sensível” (experiência) pensando o sensível segundo um critério.
Podemos dizer que a estética é uma reflexão filosófica enquanto uma experiência do sensível.
Não há experiência estética sem o sensível. Este sensível nos leva a procurar conhecer o conceito de arte, mas não é qualquer sensível, mas aquele que a obra de arte nos apresenta.
Seguindo alguns critérios, podemos iniciar esta experiência ou este movimento, que nos levará à experiência estética:
1)      Observação [ observar com atenção]
2)      Descrever [ tentar passar a real figura da obra de arte com palavras]
3)      Interpretar [ deve basear-se nos elementos da obra]
4)      Avaliação estética [ atribuir valor: falar sobre as qualidades da obra]
5)      Reflexão filosófica [ pensar sobre a obra e sobre o que ela significa]

Segundo Paul Valéry[1], “A superioridade do homem sobre os restantes seres da natureza, é devida aos seus pensamentos inúteis”.
É na inutilidade da arte que fazemos a diferença, buscando a contemplação ou a expressão do que sentimos. A obra de arte nos oferece meios para purificarmos nosso “espírito”, ou alimentar a nossa “mente”. 
Exercício de reflexão
Apesar do valor intrínseco da arte, a educação estética para Schiller não é um fim em si mesmo, mas um processo pelo qual a humanidade precisa passar para retornar à sua essência verdadeira. Nesse ponto, terá atingido a necessária liberdade para se transformar no que achar apropriado dentro das circunstâncias existentes. (MARTINS, 2009, pág. 445). 

Como Schiller, podemos dizer que faz parte da educação de um povo a inserção na cultura através da aprendizagem estético filosófica, cabe ao professor de filosofia apresentar obras que modificaram o modo de pensar de uma geração e ao mesmo tempo, que tenha contribuído para denunciar uma atrocidade contra os Direitos Humanos, como a obra de Pablo Picasso, Guernica.

PICASSO, Pablo. Guernica, 1937. Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, Madri.


Referência:
Aranha, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia/ Maria Lúcia de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins. – 4. Ed. – São Paulo: Moderna, 2009.
Picasso, Pablo. Abril Coleções; tradução de José Ry Gandra. – São Paulo: Ed. Abril, 2011.
Tharrats, Joan-Josep. História Geral da Arte, Ed. Del Prado, 1995, Espanha.


[1]  Paul Valery, História Geral da Arte, Ed. Del Prado, 1995, Espanha.




segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Texto para as Terceiras Séries do Ensino Médio - Poder e Conflito

Clique no link abaixo e acesse o texto completo.  

http://gostandodefilosofia.blogspot.com.br/p/pagina-de-textos-das-atividades-3s-anos.html

O Existencialismo


Na antiguidade:
Para Aristóteles, a essência humana existe antes mesmo de o ser humano existir. Ao longo da vida humana, a essência vai se realizando com a ação.
Para ilustrarmos o pensamento de Aristóteles podemos utilizar como exemplo uma semente:
Uma semente de maçã é uma maçã em potência, ou seja, a semente traz em si mesma a identidade do fruto da macieira e da própria macieira.
O crescimento da macieira nada mais é do que a realização de sua essência.

Na contemporaneidade:
A filosofia existencial se opõe a ideia de Aristóteles e afirma que, no caso do ser humano, “a existência precede a essência”. O ser humano não tem essência ao nascer; vai construindo aquilo que é ao longo de sua vida, ao longo de sua existência.

Vamos destacar aqui o filósofo Jean Paul Sartre https://www.ebiografia.com/jean_paul_sartre/)

Sartre abandona a ideia de natureza humana, pois se não nascemos com uma essência, não temos uma natureza, o que temos é uma condição, a “condição humana”.

A condição humana determina que o ser humano construa sempre sua identidade. Ele nunca é alguma coisa, ele sempre está em determinada condição. Vocês hoje estão estudantes, assim como um dia estarão universitários, profissionais de determinada área, etc. Mas nenhuma dessas realidades dá ou dará a vocês uma identidade fixa. Por isso, Sartre afirma que o humano não é propriamente um ser, mas um vir-a-ser, na medida em que ele é sempre um projeto.
Para Sartre “o homem está condenado a ser livre”, pois a única escolha que ele não pode fazer é a de não ser livre. O ser humano é livre porque sua existência é gratuita, contingente, não tem uma finalidade definida. Na medida em que é nada, o humano pode ser tudo, pode ser qualquer coisa.
A liberdade se traduz no ato da escolha. Temos todas possibilidades, e temos sempre que escolher entre essas possibilidades.
Exemplo: Se você está na escola, pode decidir assistir ou não à aula.
E toda escolha tem suas consequências, pelas quais somos responsáveis. Assim, a liberdade gera em nós uma angústia: a angústia de ter que decidir, a angústia de se saber responsável pela escolha e por suas consequências.
A escolha gera uma responsabilidade por toda a humanidade, pois alguém escolhe sempre para si mesmo e pelos outros. Se escolho, por exemplo, a vida do crime, estou afirmando que ela é uma boa opção, e não apenas para mim, mas para  todos os outros seres humanos. E sou responsável por ela.
Na conferência que Sartre fez em 1946 defendeu que o “existencialismo é um humanismo”.


Exercício de reflexão.
Vamos refletir sobre o que nos diz a poetisa brasileira Cora Coralina:
“Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar, porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é decidir.” ( Cora Coralina).


Gostaria que os alunos lessem o texto: O existencialismo é um humanismo, pegar o texto no blog de filosofia –

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Os fantásticos livros voadores do Senhor Lessmore.



A obra busca mostrar o poder que um livro tem de transportar o leitor para um novo mundo. O filme apresenta técnicas inovadoras de animação que, juntamente com a trilha sonora imprescindível, leva o espectador a uma viagem fantástica,  assistam ao excelente filme de curta metragem : Os fantásticos livros voadores do Senhor Lessmore.

Ficha Técnica
Gênero: Animação
Direção: Brandon Oldenburg, William Joyce
Roteiro: William Joyce
Produção: Alissa M. Kantrow, Iddo Lampton Enochs Jr., Trish Farnsworth-Smith
Trilha Sonora: John Hunter
Duração: 15 min.
Ano: 2011
País: Estados Unidos
Cor: Colorido

Prêmio: Oscar 2012, vencedor na categoria Melhor Animação em Curta-Metragem

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Valores e tipos de valor


Mas o que são os valores? Qual é a sua natureza? As coisas têm valor porque as valorizamos, ou valorizamo-las porque têm valor? A axiologia, também chamada filosofia dos valores ou teoria dos valores, procura responder a estas perguntas. A axiologia estuda a natureza dos valores em geral, o significado e as características das afirmações que referem valores (os juízos de valor), analisa a possibilidade de esses juízos serem verdadeiros ou falsos e as condições em que o poderão ser (Galvão, Lopes & Mateus, 2013, p. 76). Os filósofos discordam em relação ao que sejam os valores (como, de resto, em relação a quase tudo). Uns pensam que os valores são ideias que existem apenas na mente de quem neles pensa, outros pensam que os valores são realidades abstratas com alguma independência dos sujeitos. Uma definição neutra e consensual dos valores apresenta-no-los como “aquilo que nos leva a ter preferência e interesse por algumas coisas, pessoas, ações, situações, etc., e não por outras, e, por isso, a avaliá-las positiva ou negativamente” (Galvão & Lopes, 2012, p. 32). Entendidos deste modo, os valores são critérios de ação, orientam as nossas decisões, dão-nos uma linha de rumo:

Permitem avaliar pessoas e situações, e ajudam-nos a classificar as coisas como boas ou más, desejáveis ou indesejáveis, benéficas ou prejudiciais. (Ruas, 2013, p. 85)

Os valores são diversos. Vão desde as ações cotadas na bolsa — que têm um valor econômico — aos mais elevados valores morais, desde o copo de água, capaz de matar a sede, até ao que pensamos que nos ajuda a aproximar-nos de Deus — como a fé. Dada a grande diversidade de valores, é costume agrupá-los em áreas ou domínios. Entre os mais estudados em filosofia, temos os valores éticos, os estéticos e os religiosos. Valores como a bondade, a solidariedade, o respeito, a honestidade, a lealdade, a justiça e a liberdade são valores éticos. Valores como a beleza, a graciosidade, a harmonia e a elegância são valores estéticos. Valores como a fé, o sagrado e a pureza são valores religiosos.

Excerto do Artigo " Valores, juízos de valor e teorias" de António Padrão publicado na Revista Eletrônica Crítica na Rede em 2 de outubro de 2016.


http://criticanarede.com/valor.html    (acesso em 03/10/2016)

domingo, 28 de agosto de 2016

Estado de Natureza, contrato social, Estado Civil



O conceito de Estado de Natureza tem a função de explicar a situação pré-social na qual os indivíduos existem isoladamente. Duas foram as principais concepções do Estado de Natureza:
1. a concepção de Hobbes (no século XVII), segundo a qual, em Estado de Natureza, os indivíduos vivem isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou “o homem lobo do homem”. Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas. A vida não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar;
2. a concepção de Rousseau (no século XVIII), segundo a qual, em Estado de Natureza, os indivíduos vivem isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a Natureza lhes dá, desconhecendo lutas e comunicando-se pelo gesto, o grito e o canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado de felicidade original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem inocente, termina quando alguém cerca um terreno e diz: “É meu”. A divisão entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada, dá origem ao Estado de Sociedade, que corresponde, agora, ao Estado de Natureza hobbesiano da guerra de todos contra todos.
O Estado de Natureza de Hobbes e o Estado de Sociedade de Rousseau evidenciam uma percepção do social como luta entre fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder da força. Para cessar esse estado de vida ameaçador e ameaçado, os humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao Estado Civil, criando o poder político e as leis.
A passagem do Estado de Natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato social, pelo qual os indivíduos renunciam à liberdade natural e à posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro – o soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política. O contrato social funda a soberania.
Como é possível o contrato ou o pacto social? Qual sua legitimidade? Os teóricos invocarão o Direito Romano – “Ninguém pode dar o que não tem e ninguém                   pode tirar o que não deu” – e a Lei Régia romana – “O poder é conferido ao soberano pelo povo ” – para legitimar a teoria do contrato ou do pacto social.
Parte-se do conceito de direito natural: por natureza, todo indivíduo tem direito à vida, ao que é necessário à sobrevivência de seu corpo, e à liberdade. Por natureza, todos são livres, ainda que, por natureza, uns sejam mais fortes e outros mais fracos. Um contrato ou um pacto, dizia a teoria jurídica romana, só tem validade se as partes contratantes forem livres e iguais e se voluntária e livremente derem seu consentimento ao que está sendo pactuado.
A teoria do direito natural garante essas duas condições para validar o contrato social ou o pacto político. Se as partes contratantes possuem os mesmos direitos naturais e são livres, possuem o direito e o poder para transferir a liberdade a um terceiro; e se consentem voluntária e livremente nisso, então dão ao soberano algo que possuem, legitimando o poder da soberania. Assim, por direito natural, os indivíduos formam a vontade livre da sociedade, voluntariamente fazem um pacto ou contrato e transferem ao soberano o poder para dirigi-los.
Para Hobbes, os homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo pacto, passam a constituir um corpo político, uma pessoa artificial criada pela ação humana e que se chama Estado. Para Rousseau, os indivíduos naturais são pessoas morais, que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo moral coletivo ou Estado.
A teoria do direito natural e do contrato evidencia uma inovação de grande importância: o pensamento político já não fala em comunidade, mas em sociedade. A ideia de comunidade pressupõe um grupo humano uno, homogêneo, indiviso, compartilhando os mesmos bens, as mesmas crenças e ideias, os mesmos costumes e possuindo um destino comum. A ideia de sociedade, ao contrário, pressupõe a existência de indivíduos independentes e isolados, dotados de direitos naturais e individuais, que decidem, por um ato voluntário, tornarem se sócios ou associados para vantagem recíproca e por interesses recíprocos. A comunidade é a ideia de uma coletividade natural ou divina; a sociedade, a de uma coletividade voluntária, histórica e humana.
A sociedade civil é o Estado propriamente dito. Trata-se da sociedade vivendo sob o direito civil, isto é, sob as leis promulgadas e aplicadas pelo soberano.
Feito o pacto ou o contrato, os contratantes transferiram o direito natural ao soberano e com isso o autorizam a transformá-lo em direito civil ou direito positivo, garantindo a vida, a liberdade e a propriedade privada dos governados.
Estes transferiram ao soberano o direito exclusivo ao uso da força e da violência, da vingança contra os crimes, da regulamentação dos contratos econômicos, isto é, a instituição jurídica da propriedade privada, e de outros contratos sociais (como, por exemplo, o casamento civil, a legislação sobre a herança, etc.).
Quem é o soberano? Hobbes e Rousseau diferem na resposta a essa pergunta.
Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma assembleia democrática. O fundamental não é o número de governantes, mas a determinação de quem possui o poder ou a soberania. Esta pertence de modo absoluto ao Estado, que, por meio das instituições públicas, tem o poder para promulgar e aplicar as leis, definir e garantir a propriedade privada e exigir obediência incondicional dos governados, desde que respeite dois direitos naturais intransferíveis: o direito à vida e à paz, pois foi por eles que o soberano  foi criado. O soberano detém a espada e a lei; os governados, a vida e a propriedade dos bens.
Para Rousseau, o soberano é o povo, entendido como vontade geral, pessoa moral coletiva livre e corpo político de cidadãos. Os indivíduos, pelo contrato, criaram-se a si mesmos como povo e é a este que transferem os direitos naturais para que sejam transformados em direitos civis. Assim sendo, o governante não é o soberano, mas o representante da soberania popular. Os indivíduos aceitam perder a liberdade civil; aceitam perder a posse natural para ganhar a individualidade civil, isto é, a cidadania. Enquanto criam a soberania e nela se fazem representar, são cidadãos. Enquanto se submetem às leis e à autoridade do governante que os representa chamam-se súditos. São, pois, cidadãos do Estado e súditos das leis.
A teoria liberal
No pensamento político de Hobbes e Rousseau, a propriedade privada não é um direito natural, mas civil. Em outras palavras, mesmo que no Estado de Natureza (em Hobbes) e no Estado de Sociedade (em Rousseau) os indivíduos se apossem de terras e bens, essa posse é o mesmo que nada, pois não existem leis para garanti-las. A propriedade privada é, portanto, um efeito do contrato social e um decreto do soberano. Essa teoria, porém, não era suficiente para a burguesia em ascensão.
De fato, embora o capitalismo estivesse em vias de consolidação e o poderio econômico da burguesia fosse inconteste, o regime político permanecia monárquico e o poderio político e o prestígio social da nobreza também permaneciam. Para enfrentá-los em igualdade de condições, a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse legitimidade tão grande ou maior do que o sangue e a hereditariedade davam à realeza e à nobreza. Essa teoria será a da propriedade privada como direito natural e sua primeira formulação coerente será feita pelo filósofo inglês Locke, no final do século XVII e início do século XVIII.
Locke parte da definição do direito natural como direito à vida, à liberdade e aos bens necessários para a conservação de ambas. Esses bens são conseguidos pelo trabalho.
Como fazer do trabalho o legitimador da propriedade privada enquanto direito                                                                                                         natural?
Deus, escreve Locke, é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro que fez uma obra: o mundo. Este, como obra do trabalhador divino, a ele pertence. É seu domínio e sua propriedade. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo para que nele reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com o suor de seu rosto.
Por todos esses motivos, Deus instituiu, no momento da criação do mundo e do  homem, o direito à propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso, de origem divina, ela é um direito natural.
O Estado existe a partir do contrato social. Tem as funções que Hobbes lhe atribui, mas sua principal finalidade é garantir o direito natural de propriedade.
Dessa maneira, a burguesia se vê inteiramente legitimada perante a realeza e a nobreza e, mais do que isso, surge como superior a elas, uma vez que o burguês acredita que é proprietário graças ao seu próprio trabalho, enquanto reis e nobres são parasitas da sociedade.
O burguês não se reconhece apenas como superior social e moralmente aos nobres, mas também como superior aos pobres. De fato, se Deus fez todos os homens iguais, se a todos deu a missão de trabalhar e a todos concedeu o direito à propriedade privada, então, os pobres, isto é, os trabalhadores que não conseguem tornar-se proprietários privados, são culpados por sua condição inferior. São pobres, não são proprietários e são obrigados a trabalhar para outros seja porque são perdulários, gastando o salário em vez de acumulá-lo para adquirir propriedades, ou são preguiçosos e não trabalham o suficiente para conseguir uma propriedade.
Se a função do Estado não é a de criar ou instituir a propriedade privada, mas de garanti-la e defendê-la contra a nobreza e os pobres, qual é o poder do soberano?
A teoria liberal, primeiro com Locke, depois com os realizadores da independência norte-americana e da Revolução Francesa, e finalmente, no século passado, com pensadores como Max Weber, dirão que a função do Estado é tríplice:
1. por meio das leis e do uso legal da violência (exército e polícia), garantir o direito natural de propriedade, sem interferir na vida econômica, pois, não tendo instituído a propriedade, o Estado não tem poder para nela interferir. Donde a ideia de liberalismo, isto é, o Estado deve respeitar a liberdade econômica dos proprietários privados, deixando que façam as regras e as normas das atividades econômicas;
2. visto que os proprietários privados são capazes de estabelecer as regras e as normas da vida econômica ou do mercado, entre o Estado e o indivíduo intercala-se uma esfera social, a sociedade civil, sobre a qual o Estado não tem poder  instituinte, mas apenas a função de garantidor e de árbitro dos conflitos nela existentes. O Estado tem a função de arbitrar, por meio das leis e da força, os  conflitos da sociedade civil;
3. o Estado tem o direito de legislar, permitir e proibir tudo quanto pertença à esfera da vida pública, mas não tem o direito de intervir sobre a consciência dos governados. O Estado deve garantir a liberdade de consciência, isto é, a liberdade de pensamento de todos os governados e só poderá exercer censura nos casos em que se emitam opiniões sediciosas que ponham em risco o próprio Estado.
Na Inglaterra, o liberalismo se consolida em 1688, com a chamada Revolução Gloriosa. No restante da Europa, será preciso aguardar a Revolução Francesa de           1789. Nos Estados Unidos, consolida-se em 1776, com a luta pela independência.
Liberalismo e fim do Antigo Regime
As ideias políticas liberais têm como pano de fundo a luta contra as monarquias absolutas por direito divino dos reis, derivadas da concepção teocrática do poder.
O liberalismo consolida-se com os acontecimentos de 1789, na França, isto é, com a Revolução Francesa, que derrubou o Antigo Regime.
Antigo, em primeiro lugar, porque politicamente teocrático e absolutista. Antigo, em segundo lugar, porque socialmente fundado na ideia de hierarquia divina, natural e social e na organização feudal, baseada no pacto de submissão dos vassalos ou súditos ao senhor.
Com as ideias de direito natural dos indivíduos e de sociedade civil (relações entre indivíduos livres e iguais por natureza), quebra-se a ideia de hierarquia.
Com a ideia de contrato social (passagem da ideia de pacto de submissão à de pacto social entre indivíduos livres e iguais) quebra-se a ideia da origem divina do poder e da justiça fundada nas virtudes do bom governante.
O término do Antigo Regime se consuma quando a teoria política consagra a propriedade privada como direito natural dos indivíduos, desfazendo a imagem do rei como marido da terra, senhor dos bens e riquezas do reino, decidindo segundo sua vontade e seu capricho quanto a impostos, tributos e taxas. A propriedade ou é individual e privada, ou é estatal e pública, jamais patrimônio pessoal do monarca. O poder tem a forma de um Estado republicano impessoal porque a decisão sobre impostos, tributos e taxas é tomada por um parlamento – o poder legislativo -, constituído pelos representantes dos proprietários privados.
As teorias políticas liberais afirmam, portanto, que o indivíduo é a origem e o destinatário do poder político, nascido de um contrato social voluntário, no qual os contratantes cedem poderes, mas não cedem sua individualidade (vida, liberdade e propriedade). O indivíduo é o cidadão.
Afirmam também a existência de uma esfera de relações sociais separadas da vida privada e da vida política, a sociedade civil organizada, onde proprietários privados e trabalhadores criam suas organizações de classes, realizam contratos, disputam interesses e posições, sem que o Estado possa aí intervir, a não ser que uma das partes lhe peça para arbitrar os conflitos ou que uma das partes aja de modo que pareça perigoso para a manutenção da própria sociedade.
Afirmam o caráter republicano do poder, isto é, o Estado é o poder público e nele os interesses dos proprietários devem estar representados por meio do parlamento e do poder judiciário, os representantes devendo ser eleitos por seus pares.
Quanto ao poder executivo, em caso de monarquia, pode ser hereditário, mas o rei está submetido às leis como os demais súditos. Em caso de democracia, será eleito por voto censitário, isto é, são eleitores ou cidadãos plenos apenas os que possuírem uma  certa renda ou riqueza.
O Estado, através da lei e da força, tem o poder para dominar – exigir obediência – e para reprimir – punir o que a lei defina como crime. Seu papel é a garantia da ordem pública, tal como definida pelos proprietários privados e seus representantes.
A cidadania liberal
O Estado liberal se apresenta como república representativa constituída de três   poderes: o executivo (encarregado da administração dos negócios e serviços públicos), o legislativo (parlamento encarregado de instituir as leis) e o judiciário (magistraturas de profissionais do direito, encarregados de aplicar as leis). Possui um corpo de militares profissionais que formam as forças armadas – exército e polícia -, encarregadas da ordem interna e da defesa (ou ataque) externo. Possui também um corpo de servidores ou funcionários públicos, que formam a burocracia, encarregada de cumprir as decisões dos três poderes perante os cidadãos.
O Estado liberal julgava inconcebível que um não proprietário pudesse ocupar um cargo de representante num dos três poderes. Ao afirmar que os cidadãos eram os homens livres e independentes, queriam dizer com isso que eram dependentes e não livres os que não possuíssem propriedade privada. Estavam excluídos do poder político, portanto, os trabalhadores e as mulheres, isto é, a maioria da sociedade.
Lutas populares intensas, desde o século XVIII até nossos dias, forçaram o Estado liberal a tornar-se uma democracia representativa, ampliando a cidadania política. Com exceção dos Estados Unidos, onde os trabalhadores brancos foram considerados cidadãos desde o século XVIII, nos demais países a cidadania plena e o sufrágio universal só vieram a existir completamente no século XX, como conclusão de um longo processo em que a cidadania foi sendo concedida por etapas.
Não menos espantoso é o fato de que em duas das maiores potências mundiais, Inglaterra e França, as mulheres só alcançaram plena cidadania em 1946, após a Segunda Guerra Mundial. Pode-se avaliar como foi dura, penosa e lenta essa conquista popular, considerando-se que, por exemplo, os negros do sul dos Estados Unidos só se tornaram cidadãos nos anos 60 do século passado. Também é importante lembrar que em países da América Latina, sob a democracia liberal, os índios ficaram excluídos da cidadania e que os negros da África do Sul votaram pela primeira vez em 1994. As lutas indígenas, em nosso continente, e as africanas continuam até nossos dias .

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000, p. 517. .http://home.ufam.edu.br/andersonlfc/Economia_Etica/Convite%20%20Filosofia%20-%20Marilena%20Chaui.pdf . Acesso 28/08/2016.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

A dura realidade dos refugiados sírios contada através dos olhos de uma garotinha



Baseado na história  de Malak e a pedido da Unicef produtores brasileiros criaram um curta de animação: A animação brasileira "Malak e o Barco" foi a grande vencedora da edição 2016 do Festival Internacional de Criatividade de Cannes. O curta, com duração de quase dois minutos, mostra a batalha enfrentada pela menina síria Malak, de apenas sete anos, que foi sobrevivente de um barco com refugiados que cruzou o Mediterrâneo. 




O curta faz parte de uma campanha global da Unicef para divulgar e alertar sobre a crise na Síria e sobre os abusos contra refugiados menores de idade. Com a participação de voluntários brasileiros, a animação possui versões em inglês, espanhol e sírio. "A ideia foi reproduzir histórias reais de crianças narradas por elas mesmas, no formato de um desenho animado, mostrando que nem todas as situações são apropriadas a elas", afirma o paulistano Adhemar Batista, diretor de design do curta. Ao todo, outros 10 brasileiros participaram da premiada animação, que foi produzida no Brasil e em Los Angeles, nos Estados Unidos. 

domingo, 22 de maio de 2016

TEXTO DE HOBBES Leviatã (1651)


cap. XIII, “Da condição natural da humanidade relativamente à sua felicidade e miséria”

A natureza do homem é tal que, embora sejam capazes de reconhecer em muitos outros maior inteligência, maior eloquência ou maior saber, dificilmente acreditam que haja muitos tão sábios como eles próprios; porque vêem sua própria sabedoria bem de perto, e a dos outros homens à distância. Mas isto prova que os homens são iguais quanto a esse ponto, e não que sejam desiguais. Pois geralmente não há sinal mais claro de uma distribuição equitativa de alguma coisa do que o fato de todos estarem contentes com a parte que lhes coube. Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é principalmente sua própria conservação, e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. E disto se segue que, quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder de um único outro homem, se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de esperar que outros venham preparados com forças conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não apenas do fruto de seu trabalho, mas também de sua vida e de sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros. [...] Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. [...] Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também isto é conseqüência: que nada pode ser injusto. As noções de bem e de mal, de justiça e injustiça, não podem aí ter lugar. Onde não há poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. Na guerra, a força e a fraude são as duas virtudes cardeais. A justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito. Se assim fosse, poderiam existir num homem que estivesse sozinho no mundo, do mesmo modo que seus sentidos e paixões. São qualidades que pertencem aos homens em sociedade, não na solidão.

Hobbes, T., Leviatã (tradução: João Paulo Monteiro), in Os Pensadores, Abril Cultural, São Paulo, 1983, p.32-38; 43-46; 74-77.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

A existência ética

Senso moral e consciência moral

Muitas vezes, tomamos conhecimento de movimentos nacionais e internacionais de luta contra a fome. Ficamos sabendo que, em outros países e no nosso, milhares de pessoas, sobretudo crianças e velhos, morrem de penúria e inanição. Sentimos piedade. Sentimos indignação diante de tamanha injustiça (especialmente quando vemos o desperdício dos que não têm fome e vivem na abundância). Sentimos responsabilidade. Movidos pela solidariedade, participamos de campanhas contra a fome. Nossos sentimentos e nossas ações exprimem nosso senso moral. 

Quantas vezes, levados por algum impulso incontrolável ou por alguma emoção forte (medo, orgulho, ambição, vaidade, covardia), fazemos alguma coisa de que, depois, sentimos vergonha, remorso, culpa. Gostaríamos de voltar atrás no tempo e agir de modo diferente. Esses sentimentos também exprimem nosso senso moral

Em muitas ocasiões, ficamos contentes e emocionados diante de uma pessoa cujas palavras e ações manifestam honestidade, honradez, espírito de justiça, altruísmo, mesmo quando tudo isso lhe custa sacrifícios. Sentimos que há grandeza e dignidade nessa pessoa. Temos admiração por ela e desejamos imitá- la. Tais sentimentos e admiração também exprimem nosso senso moral. 

Não raras vezes somos tomados pelo horror diante da violência: chacinas de seres humanos e animais, linchamentos, assassinatos brutais, estupros, genocídio, torturas e suplícios. Com freqüência, ficamos indignados ao saber que um inocente foi injustamente acusado e condenado, enquanto o verdadeiro culpado permanece impune. Sentimos cólera diante do cinismo dos mentirosos, dos que usam outras pessoas como instrumento para seus interesses e para conseguir vantagens às custas da boa-fé de outros. Todos esses sentimentos manifestam nosso senso moral

Vivemos certas situações, ou sabemos que foram vividas por outros, como situações de extrema aflição e angústia. Assim, por exemplo, uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas porque seu corpo está ligado a máquinas que a conservam. Suas dores são intoleráveis. Inconsciente, geme no sofrimento. Não seria melhor que descansasse em paz? Não seria preferível deixá-la morrer? Podemos desligar os aparelhos? Ou não temos o direito de fazê- lo? Que fazer? Qual a ação correta?

(...) Um pai de família desempregado, com vários filhos pequenos e a esposa doente, recebe uma oferta de emprego, mas que exige que seja desonesto e cometa irregularidades que beneficiem seu patrão. Sabe que o trabalho lhe permitirá sustentar os filhos e pagar o tratamento da esposa. Pode aceitar o emprego, mesmo sabendo o que será exigido dele? Ou deve recusá-lo e ver os filhos com fome e a mulher morrendo?

(...) Uma mulher vê um roubo. Vê uma criança maltrapilha e esfomeada roubar frutas e pães numa mercearia. Sabe que o dono da mercearia está passando por muitas dificuldades e que o roubo fará diferença para ele. Mas também vê a miséria e a fome da criança. Deve denunciá-la, julgando que com isso a criança não se tornará um adulto ladrão e o proprietário da mercearia não terá prejuízo? Ou deverá silenciar, pois a criança corre o risco de receber punição excessiva, ser levada para a polícia, ser jogada novamente às ruas e, agora, revoltada, passar do furto ao homicídio? Que fazer?

(...) Situações como essas – mais dramáticas ou menos dramáticas – surgem sempre em nossas vidas. Nossas dúvidas quanto à decisão a tomar não manifestam apenas nosso senso moral, mas também põem à prova nossa consciência moral, pois exigem que decidamos o que fazer, que justifiquemos para nós mesmos e para os outros as razões de nossas decisões e que assumamos todas as conseqüências delas, porque somos responsáveis por nossas opções.

Todos os exemplos mencionados indicam que o senso moral e a consciência moral referem-se a valores (justiça, honradez, espírito de sacrifício, integridade, generosidade), a sentimentos provocados pelos valores (admiração, vergonha, culpa, remorso, contentamento, cólera, amor, dúvida, medo) e a decisões que conduzem a ações com conseqüências para nós e para os outros. Embora os conteúdos dos valores variem, podemos notar que estão referidos a um valor mais profundo, mesmo que apenas subentendido: o bom ou o bem. Os sentimentos e as ações, nascidos de uma opção entre o bom e o mau ou entre o bem e o mal, também estão referidos a algo mais profundo e subentendido: nosso desejo de afastar a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade, seja por ficarmos contentes conosco mesmos, seja por recebermos a aprovação dos outros.

O senso e a consciência moral dizem respeito a valores, sentimentos, intenções, decisões e ações referidos ao bem e ao mal e ao desejo de felicidade. Dizem respeito às relações que mantemos com os outros e, portanto, nascem e existem como parte de nossa vida intersubjetiva.

Juízo de fato e de valor
Se dissermos: “Está chovendo”, estaremos enunciando um acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um juízo de fato. Se, porém, falarmos: “A chuva é boa para as plantas” ou “A chuva é bela”, estaremos interpretando e avaliando o acontecimento. Nesse caso, proferimos um juízo de valor.

Juízos de fato são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os juízos de fato estão presentes. Diferentemente deles, os juízos de valor - avaliações sobre coisas, pessoas e situações - são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião.

Juízos de valor avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. Os juízos éticos de valor são também normativos, isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e do incorreto.
Os juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos éticos normativos nos dizem que sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer para alcançarmos o bem e a felicidade. Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos do ponto de vista moral.

Como se pode observar, senso moral e consciência moral são inseparáveis da vida cultural, uma vez que esta define para seus membros os valores positivos e negativos que devem respeitar ou detestar.

Qual a origem da diferença entre os dois tipos de juízos? A diferença entre a Natureza e a Cultura. A primeira, como vimos, é constituída por estruturas e processos necessários, que existem em si e por si mesmos, independentemente de nós: a chuva é um fenômeno meteorológico cujas causas e cujos efeitos necessários podemos constatar e explicar.

Por sua vez, a Cultura nasce da maneira como os seres humanos interpretam a si mesmos e suas relações com a Natureza, acrescentando-lhe sentidos novos, intervindo nela, alterando-a através do trabalho e da técnica, dando-lhe valores. Dizer que a chuva é boa para as plantas pressupõe a relação cultural dos humanos com a Natureza, através da agricultura. Considerar a chuva bela pressupõe uma relação valorativa dos humanos com a Natureza, percebida como objeto de contemplação.

Freqüentemente, não notamos a origem cultural dos valores éticos, do senso moral e da consciência moral, porque somos educados (cultivados) para eles e neles, como se fossem naturais ou fáticos, existentes em si e por si mesmos. Para garantir a manutenção dos padrões morais através do tempo e sua continuidade de geração a geração, as sociedades tendem a naturalizá-los. A naturalização da existência moral esconde, portanto, o mais importante da ética: o fato de ela ser criação histórico-cultural.

CHAUI, Marilena. Convite à  Filosofia. 567p.  2013 .http:/
/proenem.sites.ufms.br/wp-content/blogs.dir/64/files/2013/03/Convite-Filosofia-Marilena-Chaui.pdf

sexta-feira, 18 de março de 2016

MONTESQUIEU e o ESPÍRITO DAS LEIS


Prefácio da obra

Se, na quantidade infinita de coisas que estão neste livro, houvesse alguma que, contrariamente ao que esperava, pudesse ofender, pelo menos não há nenhuma que tenha sido colocada com má intenção. Não tenho naturalmente um espírito desaprovados. Platão agradecia ao céu ter nascido no tempo de Sócrates; e eu lhe agradeço ter me feito nascer
no governo onde vivo e ter querido que eu obedecesse àqueles que me fez amar.
Peço uma graça que temo não me ser concedida: é de não julgarem, pela leitura de um momento, um trabalho de vinte anos; de aprovarem ou condenarem um livro inteiro, e não algumas frases. Se quiserem procurar o objetivo do autor, só podem bem descobri-lo no objetivo da obra.
Examinei primeiro os homens, e achei que nesta infinita diversidade de leis e de costumes eles não eram conduzidos somente por suas fantasias.
Coloquei os princípios e vi os casos particulares dobrarem-se diante deles como que por si mesmos, as histórias de todas as nações não serem mais do que suas conseqüências, e cada lei particular estar ligada a outra lei ou depender de outra mais geral.
Quando fui levado à Antiguidade, procurei captar seu espírito, para não ver como semelhantes casos realmente diferentes e não perder as diferenças daqueles que parecem semelhantes.
Não tirei meus princípios de meus preconceitos, e sim da natureza das coisas.
Aqui, muitas verdades só se mostrarão depois que se tiver visto a cadeia que as liga a outras. Quanto mais se pensar sobre os pormenores, mais se sentirá a certeza dos princípios. Estes próprios pormenores, não os citei todos, pois quem poderia dizer tudo sem causar um mortal aborrecimento?
Não se encontrarão aqui estes traços salientes que parecem caracterizar as obras de hoje.
Por pouco que se vejam as coisas com certa amplitude, essas saliências se desvanecem; elas só nascem, normalmente, porque o espírito se lança todo para um lado e abandona todos os outros.
Não estou escrevendo para censurar o que está estabelecido em qualquer país que seja.
Cada nação encontrará aqui as razões de suas máximas; e disto se tirará naturalmente a conseqüência de que só cabe propor mudanças àqueles que tiveram um nascimento bastante feliz para penetrarem com um golpe de gênio toda a constituição de um Estado.
Não é indiferente que o povo esteja esclarecido. Os preconceitos dos magistrados começaram por ser os preconceitos da nação. Numa época de ignorância, não existem dúvidas, mesmo quando se fazem os maiores males; numa época de luzes, treme-se ainda quando se fazem os maiores bens. Sentem-se os antigos abusos, vê-se a sua correção; mas
vêem se também os abusos da própria correção. Deixa-se o mal, quando se teme o pior; deixa-se o bom, quando se está em dúvida sobre o melhor. Só se olham as partes para julgar cio todo em conjunto; examinam-se todas as causas para ver todos os resultados.
Se eu pudesse fazer com que todos tivessem novas razões para amarem seus deveres, seu príncipe, sua pátria, suas leis, com que pudessem sentir melhor sua felicidade em cada país, em cada governo, em cada cargo que ocupam, considerar-me-ia o mais feliz dos mortais.
Se eu pudesse fazer que aqueles que comandam aumentassem seus conhecimentos sobre o que devem prescrever, e se aqueles que obedecem encontrassem um novo prazer em obedecer, mortais.
Considerar-me-ia o mais feliz dos mortais se eu pudesse fazer com que os homens conseguissem curar-se de seus preconceitos. Chamo aqui de preconceitos não o que faz com que se ignorem certas coisas, e sim o que faz com que se ignore a si mesmo.
É procurando instruir os homens que se pode praticar esta virtude geral que compreende o amor de todos. O homem, este ser flexível, dobrando-se na sociedade aos pensamentos e às impressões dos outros, é igualmente capaz de conhecer sua própria natureza, quando ela lhe é mostrada, e de perder até seu sentimento, se ela lhe é ocultada.
Muitas vezes comecei, e muitas vezes abandonei esta obra; mil vezes lancei aos ventos as folhas que havia escrito; sentia todos os dias as mãos paternas caírem ; seguia meu objeto sem formar objetivo; não conhecia nem as regras, nem as exceções; só encontrava a verdade para perdê-la. Mas quando descobri meus princípios tudo o que procurava veio a
mim; e, durante vinte anos, vi minha obra começar, crescer, avançar e terminar.
Se esta obra tiver sucesso, devê-lo-ei muito à majestade de meu assunto; no entanto, não creio ter carecido totalmente de gênio. Quando vi o que tantos grandes homens, na França, na Inglaterra e na Alemanha, escreveram antes de mim, fiquei admirado; mas não perdi a coragem: E eu também sou pintor, disse eu, com Correggio.




file:////Lenin/Rede Local/Equipe/Michele/MONTESQUIEU - O Espírito das Leis2.txt (315 of 315)     ( acesso em 18/03/2016).

Correggio é como era conhecido o pintor italiano Antônio Allegri. Foi um pintor da Renascença italiana, contemporâneo de Leonardo Da Vinci e Rafaelo Sanzio, com obras nos principais museus de todo o mundo.

Torna-te quem tu é




"Quanta verdade suporta um espírito? Pois bem, não somos nada! Somos este caos que se perde nas bordas de si mesmo, um animal na jaula, somos as ondas que batem contra o rochedo, somos o deserto que se esparrama pelo mapa, por onde os ventos cruzam e as dunas se movem. [...] Mas estas forças que nos constituem estão constantemente pressionando, arrastando, empurrando o homem de um lado para o outro. Quem crê no sujeito são os fracos. Tornar-se quem se é significa transvalorar os valores, escolher outros, novos, brilhantes. Encontrar um modo de vida propício ao aumento de suas próprias forças vitais. Quebrar a corrente de escravo, nem mestre nem Deus, não ter mais nenhum senhor além de si mesmo." 

NIETZSCHE.

quarta-feira, 16 de março de 2016

ARISTÓTELES e a METAFÍSICA



Nascido na cidade de Estagira, dominada pela Macedônia, Aristóteles se transferiu para Atenas em 367 antes de Cristo, ingressando na Academia, o centro de estudos fundado por Platão vinte anos antes. Em 347, com a morte de Platão, deixa Atenas e vive em Assos e em Mitilene. Em 343, chamado pelo rei da Macedônia, Filipe, torna-se preceptor de Alexandre, filho de Filipe, que em 336 seria coroado rei e iniciaria a expansão do império macedônio até a Índia — o que lhe valeria o título de Alexandre, o Grande. Retornando a Atenas em 335, Aristóteles funda o Liceu, uma escola superior constituída nos mesmos moldes da Academia. Em 322, já afastado de Atenas devido ao sentimento antimacedônio predominante na cidade — que desde 338 estava sob o poder de Filipe —, o filósofo morre em Cálcis, na ilha de Eubéia.

“Todos os homens tendem ao saber”

A seguir, os primeiros parágrafos do livro I da Metafísica de Aristóteles.

“Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o amor pelas sensações. De fato, eles amam as sensações por si mesmas, independentemente da sua utilidade e amam, acima de todas, a sensação da visão. Com efeito, não só em vista da ação, mas mesmo sem ter nenhuma intenção de agir, nós preferimos o ver, em certo sentido, a todas as outras sensações. E o motivo está no fato de que a visão nos proporciona mais conhecimentos do que todas as outras sensações e nos torna manifestas numerosas diferenças entre as coisas.
Os animais são naturalmente dotados de sensação; mas em alguns da sensação não nasce a memória, ao passo que em outros nasce. Por isso estes últimos são mais inteligentes e mais aptos a aprender do que os que não têm capacidade de recordar. São inteligentes, mas incapazes de aprender, todos os animais incapacitados de ouvir os sons (por exemplo a abelha e qualquer outro gênero de animais desse tipo); ao contrário, aprendem todos os que, além da memória, possuem também o sentido da audição.
Ora, enquanto os outros animais vivem com imagens sensíveis e com recordações, e pouco participam da experiência, o gênero humano vive também da arte e de raciocínios. Nos homens, a experiência deriva da memória. De fato, muitas recordações do mesmo objeto chegam a constituir uma experiência única. A experiência parece um pouco semelhante à ciência e à arte. Com efeito, os homens adquirem ciência e arte por meio da experiência. A experiência, como diz Polo, produz a arte, enquanto a inexperiência produz o puro acaso. A arte se produz quando, de muitas observações da experiência, forma-se um juízo geral e único passível de ser referido a todos os casos semelhantes.
Por exemplo, o ato de julgar que determinado remédio fez bem a Cálias, que sofria de certa enfermidade, e que também fez bem a Sócrates e a muitos outros indivíduos, é próprio da experiência; ao contrário, o ato de julgar que a todos esses indivíduos, reduzidos à unidade segundo a espécie, que padeciam de certa enfermidade, determinado remédio fez bem (por exemplo, aos fleumáticos, aos biliosos e aos febris) é próprio da arte.
Ora, em vista da atividade prática, a experiência em nada parece diferir da arte; antes, os empíricos têm mais sucesso do que os que possuem a teoria sem a prática. E a razão disso é a seguinte: a experiência é conhecimento dos particulares, enquanto a arte é conhecimento dos universais; ora, todas as ações e as produções referem-se ao particular. De fato, o médico não cura o homem a não ser acidentalmente, mas cura Cálias ou Sócrates ou qualquer outro indivíduo que leva um nome como eles, ao qual ocorra ser homem. Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indivíduo particular.”
 

Metafísica, de Aristóteles, edição de Giovanni Reale, tradução de Marcelo Perine, volumes I (Ensaio introdutório), II (Texto grego com tradução ao lado) e III (Sumário e comentários), Edições Loyola (telefone 11 6914-1922).

quarta-feira, 9 de março de 2016

O que é o governo?



Pensamento anarquista. É importante  que sejamos  céticos quanto à esta resposta, afinal não devemos aceitar um único ponto de vista, é importante pensar sob várias perspectivas.