segunda-feira, 11 de março de 2013


Aos alunos dos segundos anos do ensino médio, esta aula complementa a apresentação sobre o filósofo René Descartes, os que não viram o vídeo apresentado em aula também poderão assistir, neste texto  vocês verão como Descartes construiu o caminho para chegar às verdades fundamentais que culminou em um método de desenvolvimento para chegar ao conhecimento. 

René Descartes

INTRODUÇÃO
René Descartes (1596-1650) nasceu em uma cidadezinha francesa perto de Tours, hoje chamada La Haye. Depois de se formar em Direito, em Poitiers, Descartes decidiu viajar pela Europa e fazer como Sócrates, que conversava com as pessoas nas praças e mercados de Atenas. Em 1619, entrou para o exército do duque de Bavária e foi para a guerra, o que fez com que percorresse diferentes partes da Europa Central.
 Na noite de 10 de novembro de 1619, Descartes teve uma inspiração de como poderia construir um sistema preciso de entendimento que abrangesse todas as áreas do conhecimento humano. Desse projeto ele se ocupou pelo resto da vida.
  Depois de viver alguns anos em Paris, Descartes mudou-se em 1629, para a Holanda, onde permaneceu durante quase vinte anos trabalhando em escritos matemáticos e filosóficos.              Em 1649, Descartes foi convidado pela rainha Cristina para viver na Suécia. Mas a estada no lugar que ele qualificou de “terra de ursos, gelo e rochas” trouxe-lhe um acesso de pneumonia que o acabou matando no inverno de 1650.

  A DESCOBERTA DA RAZÃO

  Há uma linha direta de pensadores que nasce em Sócrates e Platão, passa por Santo Agostinho e chega a Descartes. Todos eram racionalistas típicos, convictos de que a razão é o único caminho para o conhecimento. Depois de muito estudar, Descartes concluiu que o conhecimento herdado da Idade Média não era necessariamente confiável. Tal como Sócrates, decidiu criar uma filosofia própria.
 Descartes foi o fundador da filosofia moderna. Após a impetuosa redescoberta do homem como centro de tudo (antropocentrismo) e da Natureza no Renascimento, a necessidade de reunir o pensamento contemporâneo em um sistema filosófico coerente voltou a se apresentar. Descartes foi o primeiro a formular um sistema desses. A ele se seguiram Spinoza e Leibniz, Locke e Berkeley, Hume e Kant.

  O SISTEMA CARTESIANO

  A principal preocupação de Descartes era com aquilo que podemos conhecer, ou, em outras palavras, o conhecimento verdadeiro. Quando se tratava da aquisição do conhecimento verdadeiro, muitos dos contemporâneos de Descartes expressavam um total ceticismo filosófico. Achavam que o homem deveria aceitar o fato de que nada sabe. Mas Descartes não aceitava tal imposição.
 Foi na época de Descartes que as novas ciências naturais elaboraram um método científico que propiciaria descrições precisas dos processos e fenômenos naturais. Descartes se perguntou se haveria um método igualmente confiável de reflexão filosófica. O sistema que ele procurava deveria ser uma filosofia construída de modo a incluir todos os aspectos da realidade do mundo e buscar as explicações para todas as questões centrais da filosofia. A Antiguidade teve grandes construtores de sistemas, nas figuras de Platão e Aristóteles. A Idade Média teve são Tomás de Aquino, que tentou construir uma ponte entre a filosofia de Aristóteles e a teologia cristã. Em seguida, veio o Renascimento, com a fusão de novas e velhas crenças sobre a Natureza e a ciência, Deus e o homem. Mas foi somente no século XVII que os filósofos passaram a tentar reunir novas idéias em sistemas filosóficos claros e o primeiro a fazê-lo foi Descartes.

   PRIMEIRA VERDADE – PENSO, LOGO EXISTO

   Descartes era matemático e pretendia usar o “método matemático” até mesmo para filosofar. Estava disposto a provar verdades filosóficas da mesma forma que se demonstra um teorema matemático, ou seja, pelo uso da razão, uma vez que apenas a razão pode nos dar a certeza sobre as coisas, pois acreditava que não é certo que podemos confiar em nossos sentidos. Considerava que somente poderia ser aceito como verdadeiro aquilo que se apresentasse claro e distintamente à razão. Para tanto, Descartes estabelece quatro regras (método cartesiano) por ele aplicadas para fundamentar sua filosofia
 1 – Regra da EVIDÊNCIA: acolher apenas o que aparece ao espírito como ideia clara e distinta;
 2 – Regra da ANÁLISE: dividir cada dificuldade em parcelas menores para resolvê-las por parte;
 3 – Regra da ORDEM: conduzir por ordem os pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para só depois avançar nos mais complexos e compostos e
 4 – Regra da ENUMERAÇÃO: fazer revisões gerais de tudo o que foi feito para se ter certeza de que nada foi omitido.
  O objetivo de Descartes era chegar a uma certeza sobre a natureza da vida, isto é, em que ela consiste. Ele começou por afirmar que, em primeiro lugar, devemos duvidar de tudo. Isso porque ele buscava um fundamento para seu sistema que fosse absolutamente sólido, acima de qualquer dúvida. Era importante para Descartes libertar-se de todo o conhecimento herdado antes de construir um sistema filosófico, porque percebeu que tal conhecimento não lhe garantia a construção de um sistema seguro.
 O exercício da dúvida cartesiana tornou-se uma referência importantíssima e um clássico da filosofia moderna. Tal exercício foi conduzido pelo filósofo da seguinte maneira:
 Dúvida metódica: porque a dúvida vai se ampliando passo a passo, de maneira ordenada e lógica;
  Dúvida radical: porque a dúvida vai atingindo a tudo e chega a um ponto extremo em que não é possível ter certeza de nada, nem de que o mundo existe. Como em um jogo, uma brincadeira, Descartes tentou duvidar, até da própria existência. É uma dúvida também chamada hiperbólica, isto é, maior do que o normal, maior do que o esperado, bastante difícil de atingir.
 Assim, dizia ele, mesmo o que vemos com nossos próprios olhos está longe da certeza. Sabemos que, às vezes, nossos sentidos nos iludem. Como ter certeza, então, de que não estamos sendo iludidos o tempo todo? Descartes chegou a pensar que poderia ser bastante possível que nossa vida inteira não passasse de um sonho.
 “Quando penso bem sobre isso, não encontro uma única característica que marque com certeza a diferença entre o estar acordado e o sonho”, escreveu ele. E prosseguiu: “Como podemos estar certos de que toda a nossa vida não passa de um sonho?”. Duvidava, até mesmo, da existência de seu corpo e das coisas do mundo exterior.
  Parecia não haver nada de que pudesse estar certo. Mas Descartes tentou avançar a partir desse ponto zero. Logo se deu conta de que pouca coisa restava além da dúvida. Duvidava de tudo e essa era a única coisa de que tinha certeza. Mas então lhe ocorreu uma idéia: havia, afinal, algo verdadeiro e era o fato de que duvidava. Quando ele duvidava, percebia que estava pensando e, porque estava pensando, tinha de ser verdadeiro que ele existia. Ou, como ele mesmo expressou: Cogito ergo sum, que significa “Penso, logo existo”. Essa conclusão lhe dava garantia de que existia, pois não era possível imaginar alguém tendo um pensamento de dúvida e não existir.
 Descartes descobriu, então, que existia porque ele pensava, independentemente de possuir um corpo, algo que ele já tinha posto em dúvida. Assim, chegou à conclusão de que possuir um corpo não faria parte da sua natureza absoluta, isto é, não faria parte da sua descoberta. Sua essência seria a de ser algo pensante, ou como ele mesmo expressou: sum res cogitans, que significa: “Sou um ser pensante”.
  SEGUNDA VERDADE - A EXISTÊNCIA DE DEUS
  Em seguida, Descartes perguntou-se se haveria algo mais que pudesse perceber com a mesma certeza intuitiva, isto é, com a mesma certeza imediata que teve ao concluir que existia. Concluiu que tinha em mente uma idéia clara e distinta de um ser perfeito. Era uma idéia que Descartes sempre tivera e era, por conseguinte, evidente que tal noção não poderia ter vindo dele próprio. A noção de um ser perfeito não teria vindo de alguém que fosse, por sua vez, imperfeito, afirmou Descartes. Portanto, a noção de um ser perfeito somente poderia ter vindo de um outro ser perfeito, ou, em outras palavras, de Deus. A existência de Deus, portanto, era tão evidente para Descartes quanto a existência de um ser pensante.
 Descartes acreditava que todos teríamos a idéia do que seja um ser perfeito e que, inerente a essa idéia, estaria o fato da existência desse ser perfeito. Pois um ser perfeito não seria perfeito se não existisse. Nem poderíamos ter a idéia de um ser perfeito se tal ser não existisse. Por sermos imperfeitos, a idéia de perfeição não poderia ter vindo de nós. Descartes prosseguiu com o argumento. Quanto mais evidente uma coisa fosse para a razão, tanto mais certo seria o fato de ela existir. Ora, a ideia de perfeição era evidente assim como a de seu criador, um ser perfeito, portanto Deus.
  TERCEIRA CERTEZA - A EXISTÊNCIA DO MUNDO EXTERIOR
  Quanto às ideias que temos sobre a realidade exterior, por exemplo, o Sol e a Lua, meu corpo, todos os objetos materiais etc., Descartes afirmava que haveria a possibilidade de elas serem fantasias, porque dizia que não temos certeza clara e evidente de que eles existem, com a mesma certeza de que existimos como ser pensante. Mas a realidade exterior também possuiria certas características perceptíveis por meio de nossa razão: as propriedades matemáticas, ou, em outras palavras, grandezas que podem ser medidas, como comprimento, largura e profundidade. Tais propriedades “quantitativas” seriam tão claras e distintas para a nossa razão como o fato de que somos seres pensantes. As propriedades “qualitativas”, como cor, odor e sabor, por outro lado, estão ligadas a nossa percepção sensorial (isto é, aos nossos sentidos) e, como tais, não podem garantir a existência da realidade exterior, fora de nós.
  Nesse ponto, Descartes mais uma vez retomava nossa ideia do ser perfeito, que é clara e distinta e nos conduz à certeza existência de Deus. Quando nossa razão reconhece alguma coisa com clareza e distinção – como é o caso das propriedades matemáticas da realidade exterior: comprimento, largura e profundidade – é porque a coisa reconhecida teria a forma com que a percebemos. Pois um Deus perfeito não nos iludiria, pois é um Deus sumamente bom. Descartes alegava que teríamos a “garantia de Deus” para o fato de que tudo o que reconhecemos por meio de nossa razão também corresponderia a uma realidade. Todas as coisas materiais necessariamente têm uma extensão, que é definida por aquelas propriedades matemáticas. Assim, na medida em que reconhecemos a existência dessa extensão como algo claro e distinto, tonar-se evidente para nós que as coisas externas a nós, isto é, o mundo exterior existe. Descartes chama a essa realidade física de res extensa ou matéria.

 A DUALIDADE CORPO E ALMA

 Descartes concluiu ser um ente pensante, que Deus existiria e que haveria uma realidade exterior. Mas para ele essa realidade exterior seria muito diferente da realidade do pensamento.
 Descartes era um dualista. Ele afirmava que haveria duas formas diferentes de realidade – ou duas “substâncias”. Uma substância seria o pensamento, ou a “mente” ou res cogitans (coisa pensante), e a outra a extensão, ou matéria ou res extensa (coisa extensa). A mente seria consciência pura e não ocuparia lugar no espaço e, portanto, não poderia ser subdividida em partes menores. A matéria, no entanto, seria só extensão e, por ocupar lugar no espaço, poderia ser subdividida em partes menores – mas a matéria não poderia possuir consciência. Dessa forma, afirmava que as duas substâncias não teriam contato entre si.
  A nova física que se desenvolvia na época de Descartes também levantava a questão da natureza da matéria e o que determinaria os processos físicos da Natureza. Cada vez mais, as pessoas argumentavam a favor de uma visão mecanicista da Natureza. No entanto, ao pensarem nas ações humanas em termos de processos mecânicos, tornou-se necessário explicar de que forma algo “espiritual” – a mente – poderia dar início a um processo mecânico. Que relação há entre se pensar “Vou correr agora” e as pernas começarem a correr?
  Mesmo Descartes não poderia negar que há uma interação constante entre a mente e o corpo. Para ele, uma vez que a mente habita o corpo, estaria ligada a ele por meio de um órgão especial no cérebro chamado glândula pineal, onde ocorreria uma interação constante entre o “espírito” e a “matéria”. Por conseguinte, a mente poderia ser constantemente influenciada por sentimentos e paixões relacionados às necessidades do corpo. Mas, para Descartes, a mente poderia também se separar de tais impulsos “básicos” e operar independentemente do corpo.
  Descartes achava que a mente e as idéias não teriam realidade física, mas que o corpo humano seria mais ou menos como uma máquina, mas a mente não. Hoje em dia muitos cientistas e filósofos compartilham uma perspectiva materialista diferente de Descartes. Eles afirmam que a mente e o cérebro são a mesma coisa, e que o cérebro é quase como um computador extremamente complexo – um ponto de vista mecanicista. Os cientistas da computação tentam criar máquinas com inteligência artificial, que realizem tarefas de maneira semelhante ao homem.
 Centenas de anos após Descartes, o debate em torno da relação entre mente e corpo continua sendo um problema central da filosofia. É a mente humana algo puramente físico?  E, caso não seja, como pode ela interagir com o corpo físico?

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