Aos alunos dos segundos anos do ensino médio, esta aula complementa a apresentação sobre o filósofo René Descartes, os que não viram o vídeo apresentado em aula também poderão assistir, neste texto vocês verão como Descartes construiu o caminho para chegar às verdades fundamentais que culminou em um método de desenvolvimento para chegar ao conhecimento.
René Descartes
INTRODUÇÃO
René Descartes (1596-1650) nasceu
em uma cidadezinha francesa perto de Tours, hoje chamada La Haye. Depois de se
formar em Direito, em Poitiers, Descartes decidiu viajar pela Europa e fazer
como Sócrates, que conversava com as pessoas nas praças e mercados de Atenas.
Em 1619, entrou para o exército do duque de Bavária e foi para a guerra, o que
fez com que percorresse diferentes partes da Europa Central.
Na noite de 10 de novembro de 1619,
Descartes teve uma inspiração de como poderia construir um sistema preciso de
entendimento que abrangesse todas as áreas do conhecimento humano. Desse
projeto ele se ocupou pelo resto da vida.
Depois de viver alguns anos em
Paris, Descartes mudou-se em 1629, para a Holanda, onde permaneceu durante
quase vinte anos trabalhando em escritos matemáticos e filosóficos. Em 1649, Descartes foi convidado
pela rainha Cristina para viver na Suécia. Mas a estada no lugar que ele
qualificou de “terra de ursos, gelo e rochas” trouxe-lhe um acesso de pneumonia
que o acabou matando no inverno de 1650.
A DESCOBERTA DA
RAZÃO
Há uma linha direta de pensadores
que nasce em Sócrates e Platão, passa por Santo Agostinho e chega a Descartes.
Todos eram racionalistas típicos, convictos de que a razão é o único caminho
para o conhecimento. Depois de muito estudar, Descartes concluiu que o
conhecimento herdado da Idade Média não era necessariamente confiável. Tal como
Sócrates, decidiu criar uma filosofia própria.
Descartes foi o fundador da
filosofia moderna. Após a impetuosa redescoberta do homem como centro de tudo (antropocentrismo)
e da Natureza no Renascimento, a necessidade de reunir o pensamento contemporâneo
em um sistema filosófico coerente voltou a se apresentar. Descartes foi o
primeiro a formular um sistema desses. A ele se seguiram Spinoza e Leibniz,
Locke e Berkeley, Hume e Kant.
O SISTEMA
CARTESIANO
A principal preocupação de Descartes
era com aquilo que podemos conhecer,
ou, em outras palavras, o conhecimento verdadeiro. Quando se tratava da
aquisição do conhecimento verdadeiro, muitos dos contemporâneos de Descartes
expressavam um total ceticismo filosófico. Achavam que o homem deveria aceitar
o fato de que nada sabe. Mas Descartes não aceitava tal imposição.
Foi na época de Descartes que as
novas ciências naturais elaboraram um método científico que propiciaria
descrições precisas dos processos e fenômenos naturais. Descartes se perguntou
se haveria um método igualmente confiável de reflexão filosófica. O sistema que
ele procurava deveria ser uma filosofia construída de modo a incluir todos os
aspectos da realidade do mundo e buscar as explicações para todas as questões
centrais da filosofia. A Antiguidade teve grandes construtores de sistemas, nas
figuras de Platão e Aristóteles. A Idade Média teve são Tomás de Aquino, que
tentou construir uma ponte entre a filosofia de Aristóteles e a teologia
cristã. Em seguida, veio o Renascimento, com a fusão de novas e velhas crenças
sobre a Natureza e a ciência, Deus e o homem. Mas foi somente no século XVII
que os filósofos passaram a tentar reunir novas idéias em sistemas filosóficos
claros e o primeiro a fazê-lo foi Descartes.
PRIMEIRA VERDADE –
PENSO, LOGO EXISTO
Descartes era matemático e pretendia
usar o “método matemático” até mesmo para filosofar. Estava disposto a
provar verdades filosóficas da mesma forma que se demonstra um teorema
matemático, ou seja, pelo uso da razão, uma vez que apenas a razão pode nos dar
a certeza sobre as coisas, pois acreditava que não é certo que podemos confiar
em nossos sentidos. Considerava que somente poderia ser aceito como verdadeiro
aquilo que se apresentasse claro e
distintamente à razão. Para tanto, Descartes estabelece quatro regras
(método cartesiano) por ele aplicadas para fundamentar sua filosofia
1 – Regra da EVIDÊNCIA: acolher
apenas o que aparece ao espírito como ideia clara e distinta;
2 – Regra da ANÁLISE: dividir cada
dificuldade em parcelas menores para resolvê-las por parte;
3 – Regra da ORDEM: conduzir por
ordem os pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de
conhecer para só depois avançar nos mais complexos e compostos e
4 – Regra da ENUMERAÇÃO: fazer revisões
gerais de tudo o que foi feito para se ter certeza de que nada foi omitido.
O objetivo de Descartes era chegar a
uma certeza sobre a natureza da vida, isto é, em que ela consiste. Ele começou
por afirmar que, em primeiro lugar, devemos duvidar de tudo. Isso porque
ele buscava um fundamento para seu sistema que fosse absolutamente sólido,
acima de qualquer dúvida. Era importante para Descartes libertar-se de todo o
conhecimento herdado antes de construir um sistema filosófico, porque percebeu
que tal conhecimento não lhe garantia a construção de um sistema seguro.
O exercício da dúvida cartesiana
tornou-se uma referência importantíssima e um clássico da filosofia moderna.
Tal exercício foi conduzido pelo filósofo da seguinte maneira:
Dúvida
metódica: porque a dúvida vai se ampliando passo a passo, de maneira
ordenada e lógica;
Dúvida
radical: porque a dúvida vai atingindo a tudo e chega a um ponto
extremo em que não é possível ter certeza de nada, nem de que o mundo existe.
Como em um jogo, uma brincadeira, Descartes tentou duvidar, até da própria
existência. É uma dúvida também chamada hiperbólica,
isto é, maior do que o normal, maior do que o esperado, bastante difícil de
atingir.
Assim, dizia ele, mesmo o que vemos
com nossos próprios olhos está longe da certeza. Sabemos que, às vezes, nossos
sentidos nos iludem. Como ter certeza, então, de que não estamos sendo iludidos
o tempo todo? Descartes chegou a pensar que poderia ser bastante possível que
nossa vida inteira não passasse de um sonho.
“Quando penso bem sobre isso, não
encontro uma única característica que marque com certeza a diferença entre o
estar acordado e o sonho”, escreveu ele. E prosseguiu: “Como podemos estar
certos de que toda a nossa vida não passa de um sonho?”. Duvidava, até mesmo,
da existência de seu corpo e das coisas do mundo exterior.
Parecia não haver nada de que
pudesse estar certo. Mas Descartes tentou avançar a partir desse ponto zero. Logo
se deu conta de que pouca coisa restava além da dúvida. Duvidava de tudo e essa era a única coisa de que tinha
certeza. Mas então lhe ocorreu uma idéia: havia, afinal, algo verdadeiro e era o
fato de que duvidava. Quando ele duvidava, percebia que estava pensando e,
porque estava pensando, tinha de ser verdadeiro que ele existia. Ou, como ele
mesmo expressou: Cogito ergo sum, que significa “Penso,
logo existo”. Essa conclusão lhe dava garantia de que existia,
pois não era possível imaginar alguém tendo um pensamento de dúvida e não
existir.
Descartes descobriu, então, que
existia porque ele pensava, independentemente de possuir um corpo, algo que ele
já tinha posto em dúvida. Assim, chegou à conclusão de que possuir um corpo não
faria parte da sua natureza absoluta, isto é, não faria parte da sua descoberta.
Sua essência seria a de ser algo pensante, ou como ele mesmo expressou: sum res cogitans,
que significa: “Sou um ser pensante”.
SEGUNDA VERDADE - A EXISTÊNCIA DE
DEUS
Em seguida,
Descartes perguntou-se se haveria algo mais que pudesse perceber com a mesma
certeza intuitiva, isto é, com a mesma certeza imediata que teve ao concluir
que existia. Concluiu que tinha em mente uma idéia clara e distinta de um ser perfeito. Era uma idéia que
Descartes sempre tivera e era, por conseguinte, evidente que tal noção não poderia
ter vindo dele próprio. A noção de um ser perfeito não teria vindo de alguém
que fosse, por sua vez, imperfeito, afirmou Descartes. Portanto, a noção de um
ser perfeito somente poderia ter vindo de um outro ser perfeito, ou, em outras
palavras, de Deus. A existência de Deus, portanto, era tão evidente para
Descartes quanto a existência de um ser pensante.
Descartes acreditava que todos
teríamos a idéia do que seja um ser perfeito e que, inerente a essa idéia,
estaria o fato da existência desse ser perfeito. Pois um ser perfeito não seria
perfeito se não existisse. Nem poderíamos ter a idéia de um ser perfeito se tal
ser não existisse. Por sermos imperfeitos, a idéia de perfeição não poderia ter
vindo de nós. Descartes prosseguiu com o argumento. Quanto mais evidente uma
coisa fosse para a razão, tanto mais certo seria o fato de ela existir. Ora, a
ideia de perfeição era evidente assim como a de seu criador, um ser perfeito,
portanto Deus.
TERCEIRA
CERTEZA - A EXISTÊNCIA DO MUNDO EXTERIOR
Quanto às ideias
que temos sobre a realidade exterior, por exemplo, o Sol e a Lua, meu corpo,
todos os objetos materiais etc., Descartes afirmava que haveria a possibilidade
de elas serem fantasias, porque dizia que não temos certeza clara e evidente de
que eles existem, com a mesma certeza de que existimos como ser pensante. Mas a
realidade exterior também possuiria certas características perceptíveis por
meio de nossa razão: as propriedades matemáticas, ou, em outras palavras,
grandezas que podem ser medidas, como comprimento, largura e profundidade. Tais
propriedades “quantitativas” seriam tão claras e distintas para a nossa razão
como o fato de que somos seres pensantes. As propriedades “qualitativas”, como
cor, odor e sabor, por outro lado, estão ligadas a nossa percepção sensorial
(isto é, aos nossos sentidos) e, como tais, não podem garantir a existência da
realidade exterior, fora de nós.
Nesse ponto, Descartes mais uma vez
retomava nossa ideia do ser perfeito, que é clara e distinta e nos conduz à
certeza existência de Deus. Quando nossa razão reconhece alguma coisa com
clareza e distinção – como é o caso das propriedades matemáticas da realidade
exterior: comprimento, largura e profundidade – é porque a coisa reconhecida
teria a forma com que a percebemos. Pois um Deus perfeito não nos iludiria,
pois é um Deus sumamente bom. Descartes alegava que teríamos a “garantia de
Deus” para o fato de que tudo o que reconhecemos por meio de nossa razão também
corresponderia a uma realidade. Todas as coisas materiais necessariamente têm
uma extensão, que é definida por aquelas propriedades matemáticas. Assim, na
medida em que reconhecemos a existência dessa extensão como algo claro e
distinto, tonar-se evidente para nós que as coisas externas a nós, isto é, o
mundo exterior existe. Descartes chama a essa realidade física de res extensa ou matéria.
A
DUALIDADE CORPO E ALMA
Descartes concluiu ser um ente
pensante, que Deus existiria e que haveria uma realidade exterior. Mas para ele
essa realidade exterior seria muito diferente da realidade do pensamento.
Descartes era um dualista.
Ele afirmava que haveria duas formas diferentes de realidade – ou duas “substâncias”.
Uma substância seria o pensamento,
ou a “mente” ou res cogitans (coisa
pensante), e a outra a extensão, ou matéria
ou res extensa (coisa
extensa). A mente seria consciência pura e não ocuparia lugar no espaço e,
portanto, não poderia ser subdividida em partes menores. A matéria, no entanto,
seria só extensão e, por ocupar lugar no espaço, poderia ser subdividida em
partes menores – mas a matéria não poderia possuir consciência. Dessa forma,
afirmava que as duas substâncias não teriam contato entre si.
A nova física que se desenvolvia na
época de Descartes também levantava a questão da natureza da matéria e o que determinaria
os processos físicos da Natureza. Cada vez mais, as pessoas argumentavam a
favor de uma visão mecanicista da Natureza. No entanto, ao pensarem nas ações
humanas em termos de processos mecânicos, tornou-se necessário explicar de que
forma algo “espiritual” – a mente – poderia dar início a
um processo mecânico. Que relação há entre se pensar “Vou
correr
agora”
e as pernas começarem a correr?
Mesmo Descartes não poderia negar
que há uma interação constante entre a mente e o corpo. Para ele, uma vez que a
mente habita o corpo, estaria ligada a ele por meio de um órgão especial no
cérebro chamado glândula pineal, onde ocorreria uma interação constante entre o
“espírito” e a “matéria”. Por conseguinte, a mente poderia ser
constantemente influenciada por sentimentos e paixões relacionados às
necessidades do corpo. Mas, para Descartes, a mente poderia também se separar
de tais impulsos “básicos” e operar independentemente do corpo.
Descartes achava que a mente e as
idéias não teriam realidade física, mas que o corpo humano seria mais ou menos
como uma máquina, mas a mente não. Hoje em dia muitos cientistas e filósofos
compartilham uma perspectiva materialista diferente de Descartes. Eles afirmam
que a mente e o cérebro são a mesma coisa, e que o cérebro é quase como um
computador extremamente complexo – um ponto de vista mecanicista. Os cientistas
da computação tentam criar máquinas com inteligência artificial, que realizem
tarefas de maneira semelhante ao homem.
Centenas de anos após Descartes, o
debate em torno da relação entre mente e corpo continua sendo um problema
central da filosofia. É a mente humana algo puramente físico? E, caso não seja, como pode ela interagir com
o corpo físico?