sábado, 10 de fevereiro de 2018

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O Início da Filosofia Moderna



Racionalismo e empirismo

Primeiramente, considero haver em nós certas noções primitivas, as quais são como originais, sob cujo padrão
formamos todos os nossos outros conhecimentos. (Descartes)

De onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso
respondo, numa palavra, da experiência. (Locke)

... penso não haver mais dúvida que não há princípios prát icos com os quais todos os homens concordam e, portanto,
nenhum é inato. (Locke)

O século XVII representa, na história do homem, a culminação de um processo em que se subverteu a imagem que ele tinha de si próprio e do mundo. A emergência da nova classe dos burgueses determina a produção de uma nova realidade cultural, a ciência física, que se exprime matematicamente. A atividade filosófica, a partir daí, reinicia um novo trajeto: ela se desdobra como uma reflexão cujo pano de fundo é a existência dessa ciência.

Podemos dizer que até então a filosofia tem uma atitude realista, no sentido de não colocar em questão a existência do objeto, a realidade do mundo. A Idade Moderna inverte o polo de atenção, centralizando no sujeito a questão do conhecimento.

Como já vimos, se o pensamento que o sujeito tem do objeto concorda com o objeto, dá -se o conhecimento. Mas qual é o critério para se ter certeza de que o pensamento concorda com o objeto? Isto é, "um dos problemas que a teoria do conhecimento terá que propor e solucionar é aquele de saber quais são os critérios, as maneiras, os métodos de que se pode valer o homem para ver se um conhecimento é ou não verdadeiro.

As soluções apresentadas a essas questões vão originar duas correntes, o racionalismo e o empirismo, destacaremos a seguir o racionalismo.

O racionalismo cartesiano

O filósofo francês Descartes viajou por vários países europeus, tendo morado muito tempo na Holanda. Convidado para a corte da rainha Cristina. não suportou o inverno da Suécia, onde morreu em 1650.

René Descartes (1596-1650), cujo nome latino era Renatus Cartesius (daí seu pensamento ser conhecido como "cartesiano"), é considerado o "pai da filosofia moderna".

Dentre suas obras, o Discurso do método e Meditações Metafísicas expressam a tendência de preocupação com o problema do conhecimento a que já nos referimos. O ponto de partida é a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida. Por isso, converte a dúvida em método. Começa duvidando de tudo, das afirmações  do senso comum, dos argumentos da autoridade, do testemunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade de seu próprio corpo.

O cogito

Descartes só interrompe essa cadeia de dúvidas diante do seu próprio ser que duvida. Se duvido, penso; se penso, existo: "Cogito, ergo sum". "Penso, logo existo". Eis aí o fundamento, o ponto de partida para a construção de todo o seu pensamento. Mas este "eu" cartesiano é puro pensamento, uma res cogitans (um ser pensante), pois, no caminho da dúvida, a realidade do corpo (res extensa, coisa externa, material) foi colocada em questão.

Não pretendemos fazer compreender a trajetória de Descartes, pois todo resumo é abstrato e mutilador. Mas o relato que se segue deve ser acompanhado pelo leitor com a estrita preocupação de observar como o autor constrói o racionalismo, priorizando o sujeito, não o objeto.

A partir dessa intuição primeira (a existência do ser que pensa), que é indubitável, Descartes distingue os diversos tipos de ideias, percebendo que algumas são duvidosas e confusas e outras são claras e distintas.

As ideias claras e distintas são ideias gerais que não derivam do particular, mas já se encontram no espírito, como instrumentos de fundamentação para a apreensão de outras verdades. São as ideias inatas, que não estão sujeitas a erro pois vêm da razão, independentes das ideias que "vêm de fora", formadas pela ação dos sentidos, e das outras que nós formamos pela imaginação. São inatas, não no sentido de o homem já nascer com elas, mas como resultantes exclusivas da capacidade de pensar. São ideias verdadeiras. Nessa classe estão a ideia da substância infinita de Deus e a ideia da substância finita, com seus dois grandes grupos - a res cogitans e a res extensa.

Embora o conceito de ideias claras e distintas resolva alguns problemas com relação à verdade de parte do nosso conhecimento, não dá nenhuma garantia de que o objeto pensado corresponda a uma realidade fora do pensa mento. Como sair do próprio pensamento e recuperar o mundo?

"Por intuição entendo não o testemunho mutável dos sentidos ou o juízo falaz (enganoso) de uma imaginação que compõe mal o seu objeto, mas a concepção de um espírito puro e atento, tão fácil e distinta, que nenhuma dúvida resta sobre o que compreendemos." (Descartes)

Consequências do cogito

Estabelece-se o caráter originário do cogito como auto evidência do sujeito pensante e princípio de todas as evidências.

Acentua-se o caráter absoluto e universal da razão que, partindo do cogito, só com suas próprias forças pode chegar a descobrir todas as verdades possíveis.

Daí a importância de um método de pensamento que garanta que as imagens mentais, ou representações da razão, correspondam aos objetos a que se referem e que são exteriores a essa mesma razão.

A partir do século XVII, passa-se a buscar o ideal matemático, isto é, ser uma mathesis universalis (matemática universal). Isso não significa aplicar a matemática no conhecimento do mundo, mas usar o seu tipo de conhecimento, que é completo, inteiramente dominado pela inteligência e baseado na ordem e na medida, permitindo estabelecer cadeias de razões.

Outra consequência é o dualismo psico-físico (ou dicotomia corpo-consciência), segundo o qual o homem é um ser duplo, composto de uma substância pensante e uma substância extensa. A conciliação das duas substâncias dificulta a reflexão de Descartes e gera antagonismos que serão objeto de debates nos dois séculos subsequentes.

Isso porque o corpo é uma realidade física e fisiológica e, como tal, possui massa, extensão no espaço e movimento, bem como desenvolve atividades de alimentação, digestão etc., estando, portanto, sujeito às leis deterministas da natureza. Por outro lado, os  fenômenos mentais não têm extensão no espaço nem localização. As principais atividades da mente são recordar, raciocinar, conhecer e querer; portanto, não se submetem às leis físicas, mas são o lugar da liberdade.


Estabelecem-se, então, dois domínios diferentes: o corpo, objeto de estudo da ciência, e a mente, objeto apenas da reflexão filosófica. Essa distinção, como veremos, marcará as dificuldades do início das chamadas ciências humanas.

FILOSOFANDO, INTRODUÇÃO À FILOSOFIA
MARIA LÚCIA DE ARRUDA ARANHA

2018 - Aula Inaugural das Terceiras Séries



ESTÉTICA


Autor - Raffaello Sanzio
Data - 1509-1511 cerca
Técnica - Afresco
Dimensão - 500×770 cm
Local- Museu Vaticano, Città del Vaticano


Apresentação da obra e dos filósofos que serão trabalhados no bimestre a partir da " A Escola de Atenas" do pintor renascentista Raffaello Sanzio.
Conceito e história do termo: estética só foi introduzida no vocabulário filosófico em 1750, pelo filósofo alemão Alexander Baumgarte.

Etimologia:
Estética. Do grego aisthesis, significa “faculdade de sentir”, “compreensão pelos sentidos”, “percepção totalizante” (perceber o todo).
Segundo Baumgarten a estética é a experiência sensível, e a partir do estudo da estética pode-se desenvolver uma “ciência do sensível” (experiência) pensando o sensível segundo um critério.
A estética como uma reflexão filosófica, enquanto uma experiência do sensível.
Não há experiência estética sem o sensível. Este sensível nos leva a procurar conhecer o conceito de arte, mas não é qualquer sensível, mas aquele que a obra de arte nos apresenta.
Seguindo alguns critérios, iremos iniciar esta experiência ou este movimento, que nos levará à experiência estética:

Observação [ observar com atenção]
Descrever [ tentar passar a real figura da obra de arte com palavras]
Interpretar [ deve basear-se nos elementos da obra]
Avaliação estética [ atribuir valor: falar sobre as qualidades da obra]
Reflexão filosófica [ pensar sobre a obra e sobre o que ela significa]

Segundo Paul Valéry:
“A superioridade do homem sobre os restantes seres da natureza, é devida aos seus pensamentos inúteis”.
É na inutilidade da arte que fazemos a diferença, buscando a contemplação ou a expressão do que sentimos. A obra de arte nos oferece meios para purificarmos nosso “espírito”, ou alimentar a nossa “mente”.

Exercício de reflexão
Apesar do valor intrínseco da arte, a educação estética para Schiller não é um fim em si mesmo, mas um processo pelo qual a humanidade precisa passar para retornar à sua essência verdadeira. Nesse ponto, terá atingido a necessária liberdade para se transformar no que achar apropriado dentro das circunstâncias existentes. (ARANHA e MARTINS, 2009, pág. 445).

Como Schiller, podemos dizer que faz parte da educação de um povo a inserção na cultura através da aprendizagem estético-filosófica, cabe ao professor de filosofia apresentar obras que modificaram o modo de pensar de uma geração, como a obra renascentista de Raffaello Sanzio.
Escola de Atenas exalta a busca racional. O afresco, emoldurado por um arco pintado, retrata os mais famosos filósofos e matemáticos da antiguidade, um em diálogo com o outro, dentro de um edifício clássico imaginário, representada em perspectiva perfeita.
As figuras estão dispostas substancialmente em dois planos definidos por uma escada ampla que corta toda a cena. Um primeiro e maior grupo está disposto em ambos os lados de um par central de figuras conversando, identificados como Platão e Aristóteles. Um segundo grupo independente, que foram identificados pensadores interessados no conhecimento da natureza e dos fenômenos celestes, é colocado no primeiro plano do lado esquerdo, ao passo que uma terceira, que também é independente, restritos e dispostos simetricamente em relação ao segundo, é difícil a identificação âmbito intelectual, apesar dos esforços dos estudiosos; pista é a presença de uma figura identificada em Euclides (ou Arquimedes), o que denota a intenção de estabelecer uma prova geométrica.
O grande afresco constitui definitivamente um "manifesto" do homem, uma concepção antropocêntrica Renascentista. O homem domina a realidade, graças às suas faculdades intelectuais, colocando-se no centro do universo, em uma linha de continuidade entre a Antiguidade clássica e o cristianismo. Se a perspectiva recorda a
estrutura da antiga basílica, a geometria em que os personagens estão dispostos simboliza a confiança de Raffaello na ordem do mundo, uma ordem divina e intelectual ao mesmo tempo.

Segundo Giovanni Reale (1997):

"A arte de Raffaello é um atenuante da metafísica", a justa medida, o que para Platão coincide com o bem e com a verdade e [...] é, portanto, o supremo Bem e a Verdade perante o Belo. E eu acredito que com a assinatura do ‘pequeno entre os grandes’, Raffaello também se apresenta como um filósofo, sem dúvida, nesta dimensão: a arte é alta filosofia, como explicação de harmonias numéricas, de beleza visível, tornando-se harmonias, em última análise, a estrutura do ser".


Referências Bibliográficas:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia/ Maria Lúcia de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins. – 4. Ed. – São Paulo: Moderna, 2009.
REALE, Giovanni. La scuola di Atene di Raffaello, Bompiani, Milão 2005, p. 65-68.
SÃO PAULO, Currículo do Estado. Caderno do Professor/ Filosofia, 3ª série, vol.1, Nova edição, São Paulo, 2014 – 2017.
THARRATS, Joan-Josep. História Geral da Arte, Ed. Del Prado, 1995, Espanha.
VALERY. Paul, Apud: História Geral da Arte, Ed. Del Prado, 1995, Espanha.
Aula elaborada por: Professora Maria Aparecida Souza Oliveira.
masoyki@gmail.com